segunda-feira, 16 de maio de 2022

Depois da festa.

 

 

        Depois  da  festa

                          

 

Três horas da manhã.   

   A casa estava vazia silenciosa.

   Sentada numa poltrona da sala, ela não tinha sono. O marido e os filhos já dormiam há algum  tempo. Digerindo a labuta da festa, Márcia olhava para o chão e via papeis de doces espalhados, cadeiras fora do lugar, as almofadas do sofá estavam completamente  reviradas como se tivessem procurado alguma coisa, o que? Ela não sabia, outro sofá estava molhado de xixi cujo cheiro emanava pela sala.

   Em cima de uma mesinha copos espalhados, alguns virados misturando cerveja com pedaços de croquete  de galinha  afrontavam o tampo que envernizara  com tanto zelo. Alguém perdera um cinto de cetim que se encontrava deslocado em meio a papelada que jazia no chão. Ela olhava procurando encontrar alguma coisa que lhe desse o conforto de paz, da ordem. Na mesa  de jantar, a toalha de labirinto que a mãe lhe dera, parecia protestar com a violência de sujeira a que fora submetida,  pedaços e farelos de doces e salgadinhos misturados com as frutas que enfeitavam o presunto, contrastavam com o róseo ponche esparramado sobre o branco total da toalha. Estranho! Por que em cima da mesa a poncheira continuava praticamente cheia de ponche que, mesmo parecendo que ninguém tinha mexido, apesar de derramado sobre a mesa a aparência que era de um rosa quase vermelho translúcido estava agora com um tom rosa pálido, leitoso?

   O tapete também tinha sido castigado, e, de longe dava pra ver o brilho de grãos de açúcar colorido que o deixava peguento, pedaços de brigadeiros  pareciam chicletes grudados nos pelos do tapete. Ela nem queria pensar no estado do jardim, pois a última vez em que lá estivera, vira copos plásticos desfiados e guardanapos de papel esfarrapados amontoados no gramado parecendo que houvera  uma batalha que não era de cachorros nem de formigas.

   Era-lhe tão triste pensar que aquela era uma festa que programara para o filho tanto tempo antes, e só convidara parentes e amigos, todos tão educados. E ela passara dias preparando os acepipes com tanto zelo, ver agora que do trabalho de dias restara aquela confusão espalhada pela casa. O sanitário!  Esse iria deixar para a manhã seguinte, pois não valia a pena sequer pensar no assunto, é considerado normal sanitário de casa depois de uma festa parecer sanitário público em época de carnaval.

   Estava cansada do dia, estava cansada só de pensar que deveria se levantar e sair limpando tudo para que o amanhã não fosse tão fatigante.  Quando, seu olhar, deparou com uma mesinha no canto da sala, que, permaneceu intacta.  Nela, um  pequeno jarro com flores naturais, repousava tranquilo em meio à desordem, ninguém havia tocado ali. Na realidade não era propriamente um jarro, era um frágil cálice comprido de cristal, onde colocara algumas flores do seu jardim, e lá estava ele altivo e fresco como a dizer:

 — Está vendo! Não são tão horrorosos assim, me deixaram inteiro.

Aí então, ela se levantou e andou em direção à mesa.  

Depois, ia dormir tranquila.