sexta-feira, 19 de janeiro de 2018

Desilusão

                   

        A primeira vez que vi Lula, ao vivo.
Noite de outubro de 1980, no congresso da UNE em Piracicaba, estádio de futebol onde eu e uma amiga esperamos até às quatro horas da madrugada para assistir ao discurso do Lula. E, quando ele subiu no palco e começou a falar, fiquei chocada! Pareceu aos meus ouvidos, a combinação de uma voz desagradável; algo de uma esperteza rouca exalando escrota, coitadismo e bravata.
Bateu decepção na hora.
Reclamei;
— Parecidíssimo com fulano.  A amiga não gostou, eu reclamava.
— Meu Deus! Esperar até 04;00 hs. da manhã, pra ver esse homem?
Naqueles dias, estava feliz por estar participando do congraçamento, viajamos de ônibus de Salvador até Piracicaba, cantamos tanto que chegamos roucas, dormimos todos numa sala de aula, muita animação e muita informação.
“Gente jovem reunida!” Muito legal. 
As discussões eram enfadonhas, mas é bom encontrar com gente da nossa idade de outros estados, ainda tenho guardados, cartazes desse congresso, quem quiser comprar estão a venda.
O melhor de tudo é que não consigo lembrar; porque tantas reuniões com discussões intermináveis, sobre a ditadura, sobre ideologia, sobre o que era bom para vida dos outros, sem qualquer senso prático do viver, é como se fossemos merecedores por pensarmos que pensávamos alguma coisa.
Como nós do DA. de direito não havíamos feito eleição para delegados para  o congresso, só podíamos assistir, regras da une, não votávamos, uma única reunião tive direito a voto por ser membro do DA de direito. Que maravilha é a juventude. Toda aquela encenação para escolherem um presidente e a maioria dos jovens que ali estavam não votaram
Por essas e outras, foi caindo a ficha em relação a política estudantil, eu lá estava por causa da interação com os meus colegas da faculdade eu os via como amigos do coração, isso era importante o contato humano e conhecer gente, quem sabe? pensa como a gente. E fazia parte do primeiro FA da fac.de direito,  que não era o preferido da diretoria da escola.  E o segundo congresso da Une depois da ditadura era um lugar muito bom para se estar.
Devo lembrar que foi ACM quem facilitou o 1º cong. De reconstrução da  UNE em 1979 em Salvador, oferecendo o centro de convenções para sua realização. Também estive lá.     
A primeira vez que vi Lula ao vivo. Não sabia como, agora eu sei. Eu vi Lula nu. Parecia que a sua voz maligna encantava a juventude da qual eu fazia parte. Muito parecido com um conhecido nosso. Não parei para pensar que só eu, ao vê-lo, tive a sensação desagradável, a amiga não gostou do meu comentário e fui excluída da sua companhia. 
E assim; na ultima noite da minha epopeia de estar num congresso da UNE em 1980, sozinha, sem amigos, os colegas estavam com suas turmas, eu não tinha turma para me encaixar, especialmente, depois que comentei a decepção ao ver Lula, foi o divisor de águas, o sentimento já fraco que eu tinha sobre as ideologias de esquerda esvaiu-se no desencadear do discurso dele, algo que hoje algumas pessoas já sabem, mas em 1980, éramos jovens idealistas querendo derrubar a ditadura.
Nunca me rendi às tendências políticas, ainda que outros me vissem como jovem idealista promissora. Eu era inflamada queria participar, mas achava os discursos fracos, o que me interessou foi das tendências foi libelu, talvez porque tenha tido uma conversa interessante com um estudante de economia que eu e Harley conhecemos; uma reunião secreta numa sala da coordenação da escola ás 22 horas. Gostávamos das pessoas mas não da ideologia política delas, nem de viração, nem de nova ação, nem de sangue novo, nem do pcdob nem dos radicais malucos que conheci do jornal hora do povo na CPT. Talvez por isso conseguimos montar uma chapa, ganhar, organizar e ficar no D.A, por dois anos sem estar aliados à tendências políticas estudantis.
Quando entramos para o DA com a chapa Processo em 1978, além de conseguirmos passar para os nossos colegas o sentimento de interação uns com os outros, conseguirmos colocar de volta no pátio da lanchonete as cadeiras e mesas para que  pudéssemos sentar e as mesas de ping pong e pebolim que estavam guardadas desde 1968.  E foi bom descobrir que além das duas salas na parte central perto da lanchonete, tínhamos um auditório, uma sala no 2º andar e o mais importante um mimeógrafo.   
 Eu achava muito bom estar reunida com grupos conversar sobre ideologia, mas  nunca me envolvi. Eu sempre discordava especialmente quando se referia a ausência de Deus. Reconheço, devo ter sido bem inconveniente.
Na ultima noite do congresso, já estava cansada das tais  reuniões para montar chapa de direção da une. Aliás, esquerdista adora organizar grupos de discussão.
Estávamos num ginásio de esportes; cansada e com sono, num determina- do momento, deitei na arquibancada e tirei um cochilo, acordei com alguém perguntando se podia sentar, levantei. Era um rapaz muito bonito, louro de cabelos esvoaçantes sentou e começou a falar que eu era bonita, que estava sozinha, que era a ultima noite. O tipo lourinho lindinho da titia, aquela figura devia dormir de toca na cabeça.
Olhei-o nos olhos, cara de tédio.
— Sai fora, não gosto de meninos.   
Ele olhou pra mim, cara de espanto, mas continuou sentado olhando pra mim e disse:
— Que papo velho. Vou ficar aqui lhe fazendo companhia, está frio, quem sabe?
Olhei pra ele maligna, levantei e fui andando para o meio do salão,  alta madrugada e não havia muita gente, queria ver como seria escolhido um novo presidente da UNE. Vi uma mesa com algumas cadeiras afastada do centro do salão me dirigi até ela, aproveitei e tentei cochilar com a cabeça na mesa, depois cansei da posição e literalmente, deitei na mesa e apaguei. Acordei com vozes próximas.
Um grupo de rapazes cabeludos estavam sentando nas cadeiras, entre eles DM, fixei esse grupo pois tinha um cara com cara de David Gilmour, só que todas as vezes que vi esses jovens, pareciam estar todos chapados, e aquela noite não parecia diferente, acho que alguns falaram comigo, mas só devo ter olhado. Levantei e fiquei sentada na ponta da mesa de costas pra eles.  
Lá pra 5 horas da manhã, quando se ouviu que Aldo Rabelo era o presidente da UNE, ao vê-lo com o braços levantado e um punho fechado sai do mormaço da mesa, e gritei;  Heil Hitler!
Eles se assustaram e depois zoaram, eu ri olhei para o grupo, fixei os olhos no cabeludo que parecia David Gilmour, ele também olhou pra mim olhar curioso, embaçado de sono. Pensei: Finalmente, encontrei a minha turma.
Levantei dei adeus pra eles e fui embora, o congresso havia acabado, restava ir pegar a minha mochila e o ônibus de volta pra Salvador. 


Algum dia de outubro de 1994

Um comentário:

  1. Nossa! Passou um filme na minha cabeça. Nós anos 80 participei, em Curitiba, de um Congresso da UJS. Naquela época eu era militante do PC do B.

    ResponderExcluir