A primeira vez que vi Lula, ao vivo.
Noite de outubro de
1980, no congresso da UNE em Piracicaba, estádio de futebol onde eu e uma amiga
esperamos até às quatro horas da madrugada para assistir ao discurso do Lula. E,
quando ele subiu no palco e começou a falar, fiquei chocada! Pareceu aos meus
ouvidos, a combinação de uma voz desagradável; algo de uma esperteza rouca
exalando escrota, coitadismo e bravata.
Bateu decepção na hora.
Reclamei;
— Parecidíssimo com fulano. A amiga não gostou, eu reclamava.
— Meu Deus! Esperar até
04;00 hs. da manhã, pra ver esse homem?
Naqueles dias, estava
feliz por estar participando do congraçamento, viajamos de ônibus de Salvador
até Piracicaba, cantamos tanto que chegamos roucas, dormimos todos numa sala de
aula, muita animação e muita informação.
“Gente jovem reunida!” Muito
legal.
As discussões eram
enfadonhas, mas é bom encontrar com gente da nossa idade de outros estados,
ainda tenho guardados, cartazes desse congresso, quem quiser comprar estão a venda.
O melhor de tudo é que
não consigo lembrar; porque tantas reuniões com discussões intermináveis, sobre
a ditadura, sobre ideologia, sobre o que era bom para vida dos outros, sem qualquer
senso prático do viver, é como se fossemos merecedores por pensarmos que
pensávamos alguma coisa.
Como nós do DA. de
direito não havíamos feito eleição para delegados para o congresso, só podíamos assistir, regras da
une, não votávamos, uma única reunião tive direito a voto por ser membro do DA
de direito. Que maravilha é a juventude. Toda aquela encenação para escolherem
um presidente e a maioria dos jovens que ali estavam não votaram
Por essas e outras, foi caindo
a ficha em relação a política estudantil, eu lá estava por causa da interação com
os meus colegas da faculdade eu os via como amigos do coração, isso era
importante o contato humano e conhecer gente, quem sabe? pensa como a gente. E
fazia parte do primeiro FA da fac.de direito, que não era o preferido da diretoria da escola. E o segundo congresso da Une depois da
ditadura era um lugar muito bom para se estar.
Devo lembrar que foi ACM
quem facilitou o 1º cong. De reconstrução da UNE em 1979 em Salvador, oferecendo o centro
de convenções para sua realização. Também estive lá.
A primeira vez que vi
Lula ao vivo. Não sabia como, agora eu sei. Eu vi Lula nu. Parecia que a sua
voz maligna encantava a juventude da qual eu fazia parte. Muito parecido com um
conhecido nosso. Não parei para pensar que só eu, ao vê-lo, tive a sensação
desagradável, a amiga não gostou do meu comentário e fui excluída da sua
companhia.
E assim; na ultima noite
da minha epopeia de estar num
congresso da UNE em 1980, sozinha, sem amigos, os colegas estavam com suas
turmas, eu não tinha turma para me encaixar, especialmente, depois que comentei
a decepção ao ver Lula, foi o divisor de águas, o sentimento já fraco que eu
tinha sobre as ideologias de esquerda esvaiu-se no desencadear do discurso
dele, algo que hoje algumas pessoas já sabem, mas em 1980, éramos jovens
idealistas querendo derrubar a ditadura.
Nunca me rendi às
tendências políticas, ainda que outros me vissem como jovem idealista
promissora. Eu era inflamada queria participar, mas achava os discursos fracos,
o que me interessou foi das tendências foi libelu, talvez porque tenha tido uma
conversa interessante com um estudante de economia que eu e Harley conhecemos; uma
reunião secreta numa sala da coordenação da escola ás 22 horas. Gostávamos das
pessoas mas não da ideologia política delas, nem de viração, nem de nova ação,
nem de sangue novo, nem do pcdob nem dos radicais malucos que conheci do jornal
hora do povo na CPT. Talvez por isso conseguimos montar uma chapa, ganhar,
organizar e ficar no D.A, por dois anos sem estar aliados à tendências políticas
estudantis.
Quando entramos para o DA
com a chapa Processo em 1978, além de conseguirmos passar para os nossos
colegas o sentimento de interação uns com os outros, conseguirmos colocar de
volta no pátio da lanchonete as cadeiras e mesas para que pudéssemos sentar e as mesas de ping pong e
pebolim que estavam guardadas desde 1968. E foi bom descobrir que além das duas salas na
parte central perto da lanchonete, tínhamos um auditório, uma sala no 2º andar
e o mais importante um mimeógrafo.
Eu achava muito bom estar reunida com grupos
conversar sobre ideologia, mas nunca me
envolvi. Eu sempre discordava especialmente quando se referia a ausência de
Deus. Reconheço, devo ter sido bem inconveniente.
Na ultima noite do
congresso, já estava cansada das tais reuniões para montar chapa de direção da une.
Aliás, esquerdista adora organizar grupos de discussão.
Estávamos num ginásio de
esportes; cansada e com sono, num determina- do momento, deitei na arquibancada
e tirei um cochilo, acordei com alguém perguntando se podia sentar, levantei.
Era um rapaz muito bonito, louro de cabelos esvoaçantes sentou e começou a
falar que eu era bonita, que estava sozinha, que era a ultima noite. O tipo
lourinho lindinho da titia, aquela figura devia dormir de toca na cabeça.
Olhei-o nos olhos, cara
de tédio.
— Sai fora, não gosto de
meninos.
Ele olhou pra mim, cara
de espanto, mas continuou sentado olhando pra mim e disse:
— Que papo velho. Vou
ficar aqui lhe fazendo companhia, está frio, quem sabe?
Olhei pra ele maligna,
levantei e fui andando para o meio do salão, alta madrugada e não havia muita gente, queria
ver como seria escolhido um novo presidente da UNE. Vi uma mesa com algumas cadeiras
afastada do centro do salão me dirigi até ela, aproveitei e tentei cochilar com
a cabeça na mesa, depois cansei da posição e literalmente, deitei na mesa e
apaguei. Acordei com vozes próximas.
Um grupo de rapazes cabeludos
estavam sentando nas cadeiras, entre eles DM, fixei esse grupo pois tinha um
cara com cara de David Gilmour, só que todas as vezes que vi esses jovens,
pareciam estar todos chapados, e aquela noite não parecia diferente, acho que
alguns falaram comigo, mas só devo ter olhado. Levantei e fiquei sentada na
ponta da mesa de costas pra eles.
Lá pra 5 horas da manhã,
quando se ouviu que Aldo Rabelo era o presidente da UNE, ao vê-lo com o braços
levantado e um punho fechado sai do mormaço da mesa, e gritei; Heil Hitler!
Eles se assustaram e
depois zoaram, eu ri olhei para o grupo, fixei os olhos no cabeludo que parecia
David Gilmour, ele também olhou pra mim olhar curioso, embaçado de sono. Pensei:
Finalmente, encontrei a minha turma.
Levantei dei adeus pra
eles e fui embora, o congresso havia acabado, restava ir pegar a minha mochila
e o ônibus de volta pra Salvador.
Algum dia de outubro de
1994
Nossa! Passou um filme na minha cabeça. Nós anos 80 participei, em Curitiba, de um Congresso da UJS. Naquela época eu era militante do PC do B.
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